segunda-feira, 19 de julho de 2010

Protect me from what I want

Uma histórinha escolhida:
"-Sempre estas reticências, nunca um ponto final. Tudo foi longe demais, tudo saiu de controle, tudo ficou fora de lugar. Não é como  se apenas uma picada não fosse resolver tudo, mas a consciência do ato covarde me impede de fazer a mesma coisa de novo. As palavras abandonaram-me, me deixaram nesses delírios enlouquecedores, com esses sussurros gritantes que me deixam surdo.
-Como é?
-Como se cortar para ver o sangue escorrer, como beijar de olhos abertos, como roubar alguém poderoso. Sentir adrenalina o tempo todo, sentir o sangue pulsar, o coração estar vivo, os olhos lacrimejarem. Uma página de um livro ainda em branco, que é escrita e apagada, para começar tudo de novo. Tudo novo. Um lugar para cair, um remédio que te faz dormir, uma solidão hereditária. Uma doença que te consome por inteiro, que te faz sentir tudo ainda mais intensamente, que faz você correr, não para se esconder, mas para o combate, para a morte.
Curve-se para a morte, venha morrer.
- O que mais?
- Sempre a neura, sempre a abstinência, sempre querendo mais. Um viciado em dor, em sentir carne queimar, sangue escorrer. Não, isso não é uma confissão, um ato de desabafo, uma tentativa de obter perdão. Eu escolhi viver assim, menina, eu fui meu Deus no meio de todo esse inferno. Eu, e só eu, fui corajoso para fazer o que todos tinham vontade. Consegue ver as cicatrizes? Há muito que não uso roupas abertas, há muito que não saio à luz do dia.
- Você tinha medo?
- De morrer? De jeito nenhum. Todos os caminhos que escolhi quase me levaram à morte, e nunca pensei nela propriamente. Eu gostava de sentir ela bem perto, e de escapar, como um gatuno esperto que sabe o que faz. E realmente sabia, não? Hoje estou aqui, vivo, para contar-te esta anedota! Mas deixe-me alertá-la: são histórias antigas, histórias de um velho que há muito esqueceu o que era viver. Histórias de quem sentiu o coração bater por anos e anos, mas que agora não é nada mais do que uma carcaça, um corpo sendo consumido pelo tempo. Sempre vivi à beira do penhasco, sempre soube que era ali, entre a vida e morte, que tudo valia à pena. Nunca escondi o que eu sentia, nunca poupei gemidos de prazer, ódio, amor, paixão, nunca me poupei sequer de morrer. E continuo morrendo, dia após dia, enquanto forneço esse amor morto.
- E quando tudo isso acabar? Quando sua consciência te abandonar, acha mesmo que tudo vai ter valido a pena?
- Quando acabar? Ora minha cara, não seja cega. Já acabou! Enquando te conto uma história, outros estão lá fora, fazendo exatamente o que eu fazia há 50 anos atrás; Bem, suponho que vocês sejam os jovens agora."
Uma despedida.
A notícia de um suicídio. Em câmera lenta.
E para você, o que significa realmente viver?

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