sábado, 12 de novembro de 2011

 Dor, muita dor. É como se um peso morto estivesse em cima de mim, dentro de mim.
 É pecado demais sentir falta de tudo aquilo que me representa?
 Tédio, tédio. Cada dia dentro dessa jaula é um adeus à liberdade, uma corrente em cada veia, em cada músculo do meu corpo. Tv, cigarros sem conta e um copo de Coca-Cola me fazem companhia todas as noites. Nada de noitadas, bebedeiras excessivas ou sensações prazerosas. Nada de amigos, nada de transas casuais.
É nisso que se resume o inferno?
 Quando me tornei uma pessoa tão solitária? Há quanto tempo sinto esse vazio que nada preenche? Esses sonhos malditos que não me deixam dormir uma noite inteira, essa vontade de... de... de quê? O desânimo surge antes que eu descubra, todas as vezes que eu chego perto demais do mistério. Puft, grande mistério. Digno de Sherlock Holmes.
 Eu deveria parar com o sarcasmo. Eu deveria parar de falar comigo mesma, escrever essas linhas soltas que não fazem sentido nem mesmo para mim, que as escrevo por não ter o que fazer. Deveria estudar. Terminar de ler aquele livro, parado na estante há quase um mês. Deveria ir no bar, no próximo domingo, e beijar o primeiro ou a primeira que se interessasse por mim. Começar meu curso de inglês. Arrumar um emprego. Sair de casa. Tanta coisa a fazer... Mas tudo o que quero é mais um cigarro, e talvez mais cafeína, meio impossível de conseguir a essa hora da noite.
Talvez eu vá ouvir Miles Davis. E parar de escrever.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Culpa

- Eu ainda não entendo porque você continua escrevendo nesse caderno estúpido.
   Carolina olhou para cima e visualizou sua amiga Marieta, olhando-a de um jeito desaprovador.
 - Eu não esperava que você entendesse.
 - Mas é sério, Carol. – Ela sentou-se na cadeira defronte. – Por que você ainda está escrevendo? O que você está escrevendo, aliás? E não me venha dizer que é para a aula; Não tivemos nenhum dever hoje.
 - Sei que não, e não pretendia dizer isso.
- E o que ia dizer então?
 - Eu... – Sentiu-se confusa. Deveria mentir? Parecia errado, mas ao mesmo tempo a única alternativa. – Deixa pra lá.
- Nem pensar!
 - Rápida como um gatilho, Marieta puxou o caderno e leu um monte de palavras soltas, abobalhada. Depois riu.
- Você precisa reaprender a formar frases.
- Obrigada. – Carolina puxou o caderno meio rabugenta, e o fechou. Fazia meses que não conseguia escrever mais do que essas palavras soltas, mas por não ter nada a escrever. Rabiscava todas as folhas que atravessavam seu caminho, mas não saia nada compreensível.
- Então, você vai ficar presa nesse quarto escuro a tarde toda ou vamos à praia?
- Hum... Na verdade, eu precisava ir a outro lugar hoje. Pode ser amanhã?
 Marieta a olhou um instante, balançou a cabeça positivamente, e após mais um olhar triste para a amiga, saiu do quarto. Carolina olhou a porta com remorso por um instante, depois levantou-se num pulo, foi ao armário e trocou de roupa. Colocou um tênis e saiu também.
 Não tinha intenção de ir a lugar nenhum, só não queria estar com ninguém. Mas, ultimamente vagava sozinha por tanto tempo que seus pés a levavam automaticamente a seus lugares favoritos, e algumas quadras depois ela parou em um parquinho depredado pelos garotos do bairro. Sentou-se no único balanço que ainda não estava quebrado, fechou os olhos por um instante e sentiu sua pele absorver o calor do sol. Poucos minutos depois, alguém entrou em sua frente e, pensando que Marieta a havia seguido, abriu os olhos meio irritada.
  Deparou com um homem alto, mas seu rosto estava escuro por causa do sol, e ela o olhou questionadora. Ele se abaixou, e ela pode olhar seu rosto.
  Era magro, absurdamente magro, olhinhos pequenos como fendas e sua boca era apenas um fino traço. Seu nariz era adunco, e sua pele era macilenta, como se não visse sol há muito tempo. Ele sorriu, mas foi um esgar assustador, e ela logo pôs-se de pé, analisando o melhor jeito de ficar o mais longe possível. Acenou levemente com a cabeça e começou a andar, mas o estranho, ainda abaixado, agarrou seu tornozelo.
- Ei! Não sei quem você é, amigo, mas também não faço questão de saber. – Virou e tentou dar outro passo, mas ele continuava segurando-a, e ela percebeu que os dois estavam sozinhos. Ficou mais amedrontada, e tentou fingir que estava com raiva. – Se importa? Eu estou tentando andar.
 Ele a soltou e se levantou, e ela ergueu a cabeça, o rosto rubro. Ele era vários centímetros mais alto do que ela, e agora que ele não estava mais contra o sol, percebeu que seus olhos eram de um azul muito elétrico.
- Lamento, querida, mas não posso deixá-la ir. Você é uma assassina. Agora, deve morrer também.
 Se antes estava amedrontada, agora ela estava apavorada. Como aquele estranho podia saber? Ele sequer parecia ser dali.
- Lamento, querido – Ela deu ênfase à palavra querido. – Mas você deve ter se confundido. Não sou assassina coisa nenhuma.
- Então, aquele túmulo no cemitério não é do seu irmão?
- Como você sabe quem é meu irmão?
- Apenas sei. – Ele deu um passo para frente, e ela recuou. – Sei que não foi sua culpa, sei que não quis, mas aconteceu. Você não tinha nenhum direito de tirar a vida dele. Eu honestamente lamento. Você viveria muito sabe. Teria três filhos. Mudaria de país. Seria uma grande médica.
 Carolina riu, embora não houvesse a menor graça na situação.
- Mais uma prova de que você está enganado, senhor. Nunca quis ser médica.
- Não queria, até ver o médico que tentou salvar a vida do seu irmão. Ficou sensibilizada com o trabalho dele. E ele quase conseguiu, não é? Se ele ainda estivesse de plantão aquela noite, poderia ter evitado aquela parada respiratória.
- Quem é você? O que quer?
- Eu já disse. Vim vingar seu irmão. Você não vai matar mais ninguém.
- Você não sabe de nada! Ele era um viciado! Tentou me matar quando eu não lhe dei dinheiro para mais uma picada! Eu só me defendi! E como sabe de tudo isso? Você é policial? É medico? Anda me vigiando?
- Um pouco dos três, creio. Mas isso não vem ao caso. Como já disse, sei que não foi sua intenção. Mas isso não diminui sua culpa.
- Olhe, - Carolina se sentiu cansada. Reviver aquilo doía, e muito. – como acha que me sinto por ter atirado nele? Era meu irmão, meu sangue! Não fiz nada a sangue frio!
 Ela gritava, e olhava suplicante por perdão, como se o homem pudesse salvá-la do horror que tinha dentro de si mesma.
- Você tinha escolha. – Sua voz, tão calma antes, emanava frieza agora, e certa raiva. Carolina encolheu-se ligeiramente. – Ele tinha mudado de opinião meio segundo antes de você retirar a arma dele. Quando percebeu o que estava fazendo, decidiu mudar, decidiu parar. Você não tinha o direito de tirar isso dele.
- Mudou de opinião, foi? E como é que você sabe?
- Chega de conversa. Não tenho tempo a perder.
O ataque foi rápido e preciso: Ela não viu o que a atingiu. Não viu, mas sentiu. Olhava diretamente nos olhos de seu misterioso assassino, mas ao olhar para baixo, viu sangue manchando sua camisa branca de botões, a faca ainda cravada em seu peito, quase como se fizesse parte de seu corpo. Automaticamente, colocou a mão sobre ela, e voltou a olhar o homem. Alto e atarracado, um sorriso ameaçava curvar sua fina boca novamente, e, de repente, ela se sentiu suja diante dele. O torpor começava lentamente a invadi-la, bem como pensamentos bizarros e fora do contexto apareciam em sua mente. Ia morrer, sabia que sim. Mas, ao contrário do esperado, sua ligeira vida não passava diante dos seus olhos. Tudo o que vivera e o que fizera levara-a até ali, e era só no momento em que pensava. Queria gritar para que ele acabasse logo com isso, mas ele parecia divertir-se, e ela num impulso estúpido, ficou calada, observando o momento, absorvendo cada detalhe da cena. Cada detalhe daquele rosto, daquele sorriso.
- Agora, minha querida, você será perdoada.
  Não tinha forças para ficar em pé, mas não conseguia deitar-se ou sequer ajoelhar-se, tampouco. A morte era realmente bela, de um modo triste. Não era obscuro, e de repente ela sentiu apenas vazio. Sorriu também, como um pedido de desculpas ao homem por sua força, e fechou os olhos sentindo a dor sumir e seu corpo ficar pesado, pesado demais.
 O homem virou-se, retomou seu caminho a passos vacilantes, e quando o coração de Carolina deu sua última batida, ele já estava longe dali.